Renata Felinto é a artista apresentada nessa semana, dentro do programa de parcerias da Rede Choque, com destaque para nossos parceiros de Florianópolis: o Armazém e Coletivo Elza. A curadora convidada para nos apresentar as artistas do Armazém e Coletivo Elza é Juliana Crispe.
A artista visual, pesquisadora, educadora, Renata Felinto tem em sua atuação no cenário brasileiro um papel fundamental, como força e produção de quem luta pelas vozes que foram apagadas e invisibilizadas ao longo da história, trazendo como foco de discussão o protagonismo da mulher negra, artista e mãe; que coloca em ação política a quebra da tradição excludente. A artista indaga os espaços, reflete sobre educação e arte, produz investigações que reverberam em múltiplos espaços nesse entre arte-educação e sociedade.
Renata interroga os lugares e as predominâncias dos corpos brancos no cenário artístico, propondo que os estudos decoloniais sejam práticas sociais e educacionais que extrapolem os estudos contemporâneos e terminologias conceituais, para que assim, em perspectivas reais, tornem-se movimentos antirracistas nas ações diárias.
Além de sua produção visual e dos estudos e efeitos dos protagonismos em sala de aula e como artista, Renata Felinto atua também como pesquisadora, produtora e divulgadora de conhecimentos que investigam as produções em artes visuais que foram e são realizadas por artistas visuais negras e negros, criações que foram e têm sido apagadas dos registros históricos, museus, galerias, espaços artísticos, livros e em conseqüência, do ensino de artes visuais.
Renata propõe assim, dar visibilidade para as biografias e visualidades dos artistas não-brancos e afro-diaspóricos nas representações da arte brasileira, nos movimentos artísticos, acadêmicos e hegemônicos, em narrativas que coloquem em voga a produção, retirando o eurocentrismo como eixo da história das artes visuais e da humanidade, rediscutindo as relações étnico-raciais e os mecanismos de apagamentos.
Texto da Artista
Tenho procurado confluir meus lugares no mundo como ser humano, mulher negra no Brasil, mãe sozinha, filha primogênita, pessoa periférica, dentre tantos outros, de forma que as reflexões que ordenam a minha existência estejam compartilhadas nos meus trabalhos.
Profissionalmente sou artista visual, pesquisadora e docente e considero que uma atividade retroalimenta a outra num processo quase orgânico que me coloca num constante movimento de pensar sobre o que é a arte na minha vida e a que ela serve ao mundo de hoje.
Para tanto, percebo que me instiga pensar num rompimento histórico, pensando nas populações afro-diaspóricas que compartilham do fenótipo que as populações européias denominaram de negro, ou negroide.
Utilizo-me de tantas linguagens e técnicas conforme forem necessárias a fim de estabelecer as relações que me inquietam. Também trabalho com cadernos de projetos que vou realizando conforme disponho de recursos para tanto, entendendo que o tempo cronológico branco não é o tempo no qual produzo, apesar de ser o tempo no qual vivo, e consequentemente, ser o tempo do sistema da arte na qual minha produção se insere de modo marginal e precarizado.
A existência de pessoas afro-diaspóricas é precarizada pelos constructos históricos, dessa forma, palavras que teriam conotação negativa são ressignificadas de modo a expor que é nessa condição que esse que se entende “padrão”, e que, no entanto é o “nosso outro”, nos colocou e nos empurra a permanecer nela.
Compreendo que as mazelas desse processo de invasão, genocídio, desterramento, epistemicídio e todas as demais violências que engendraram o surgimento da nação brasileira atravessam todos os meus trabalhos. No entanto, não necessariamente esses atravessamentos se explicitam materialmente, mas estão lá.
Trazer as possibilidades de viver melhor a partir de nossos destroços e da tentativa constante de destruição do “nosso outro” em relação às nossas vidas, é um caminho que tenho buscado em muitos trabalhos recentes. A maternidade de mulheres afro-diaspóricas, os enterros de nossos sonhos de família e de vida, as falas não escutadas, tem sido lugares de meu interesse mais íntimo neste momento. Assim como, pensar em como socializar meus trabalhos tendo participações de outras pessoas como eu, isso, incluindo a redistribuição de recursos financeiros.
No mais, os modos das pessoas afro-diaspóricas de cor negra fazerem artes visuais, se constituírem artistas e estarem no sistema da arte do Brasil tem sido meu foco de investigação como artista-pesquisadora.

Axexê da Negra ou o descanso das mulheres que mereciam serem amadas, 2017. Performance. Universidade Federal do Espírito Santo/Vitória. Registro: Shay Peled

Made in Brazil, década de 2000. Colagem, decalque, pastel oleoso e incisões sobre papel cartão, 20 x 20 cm.

Não conte com a fada 3, 2012. Acrílica, guache, pastel oleoso, adesivo, colagem, hidrográficas e glitter sobre papel, 73 x 50 cm.

Ex-Voto Tereza de Benguela, da instalação “As que me habitam”, 2019. Aquarela sobre papel, 21 x 14 cm. Registro Maria Macedo.

Série Afro Retratos, Espanhola, fase européia, 2012. Acrílica, glitter, colagem e aplicações e apliques sobre papel.

Série Afro Retratos, Hopi, fase americana, 2012. Acrílica, glitter, colagem e aplicações e apliques sobre papel, 100 x 72 cm.

Nos braços de minha Mãe Nanã o amanhã está seguro, 2020. Aquarela sobre papel, 25 x 20 cm. Obra presente no acervo do Projeto Armazém
Renata Felinto nasceu em São Paulo, em 1978, e vive e trabalha em Crato, no Ceará. Doutora e Mestre em Artes Visuais pelo Instituto de Artes da UNESP e especialista em Curadoria e Educação em Museus de Arte pelo Museu de Arte Contemporânea da USP. Artista visual e professora adjunta da Universidade Regional do Cariri/CE e líder do Grupo de Pesquisa NZINGA – Novos Ziriguiduns (Inter)Nacionais Gerados na Arte. Trabalhou na Pinacoteca do Estado de São Paulo, Instituto Itaú Cultural, Centro Cultural São Paulo, SESC, SESI / FIESP, entre outros locais.
Compôs o conselho editorial da revista O Menelick 2º ato ∙ membro do Comitê Científico do Congresso das CSO da Faculdade de Belas Artes de Lisboa ∙ Coordenou o Núcleo de Educação do Museu Afro Brasil ∙ Curadora da 15ª Bienal Naïfs do Brasil do SESC Piracicaba juntamente com Ana Avelar ∙ Curadora Educativa da 15ª Bienal Naïfs do Brasil do SESC Piracicaba juntamente com Maria Macêdo.
Participou de diversas exposições sendo as mais recentes FIAC/França (2017) ∙ Negros Indícios, na Caixa Cultural/SP (2017) ∙ Diálogos Ausentes, no Itaú Cultural/SP e no Galpão Bela Maré/RJ (2016/2017) ∙ Histórias Afro-Atlânticas, no Instituto Tomie Ohtake/MASP (2018) ∙ artista convidada do 29° Programa de Exposições do Centro Cultural São Paulo ∙ 12°Bienal do Mercosul (2020) ∙ Beethoven Moves no Kunsthistorisches Museum Vienna (2020) ∙ Vencedora do 3ºPrêmio Select de Arte e Educação na Categoria Arapuru ∙ Artista finalista do PIPA PRIZE 2020, dentre outras participações não menos relevantes.
Obras em acervos ∙ Museu Afro Brasil, São Paulo, Brasil ∙ Casa Oscar Niemeyer, UnB, Distrito Federal, Brasil ∙ Centro Cultural São Paulo, São Paulo, Brasil ∙ PENN Museum, Pennsylvania University, Pensilvânia, Filadélfia, Estados Unidos da América ∙ Coleção de Fotógrafos Brasileiros da Biblioteca Nacional da França (Bibliothèque Nationale de France – BnF ∙ Itaú Cultural.
Participação em coletivos NACIONAL TROVOA/Brasil ∙ Cantando Marias/CE ∙ Kareta cum Prekito: coletivo feminista artivista/CE ∙ 0101 Art PlatForm/Brasil.